quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Batata Frita e Sorvete VIII

Capítulo 8 - Pesadelo Invertido


De verdade? Nada do que aconteceu naquela noite fazia sentido.
Não porque eu tinha fumado maconha ou bebido algumas latas de cerveja. E sim porque aconteceram várias coisas estranhas do nada.
Primeiro a Ana me ligou. Sua voz estava extremamente rouca e ela tossiu umas cinco vezes antes de conseguir pedir para que eu fosse vê-la. E adivinha onde ela estava? Na minha casa.
Eu não acreditei. Ela realmente teria a cara de pau de ir até a minha casa? No mesmo momento tomei um ônibus. Estava cheio de gente chegando do trabalho, a rotineira hora do rush. Me senti amassado perto da porta, com um homem alto quase em cima de mim. 
Podia sentir o cheiro de suor vindo de todas aquelas pessoas cansadas. Aquilo me enjoou. Então percebi que nada estava tão colorido e alegre como la no átrio. Tudo agora parecia rodar e me dava dor de cabeça.
O átrio! Me toquei que eu não tinha me despedido da Júlia e do Juninho.
Mas enfim, depois eu falaria com eles.
Dei sinal quando vi minha rua e fiz um grande esforço para desviar do monstrão que quase se jogava em mim. 
Eu não entendia... porque a Ana iria até minha casa? Uma ideia errante causou uma pontada de dor no meu estômago: ela teria ido lá para me humilhar, segurando a mão da Prancha e sorrindo. 
Aquilo seria o fim da picada, namoral.
Entrei no condomínio e subi as escadas correndo, ansioso demais para esperar o elevador. Cheguei na porta de casa zonzo e percebi que eu fedia a maconha e álcool. Torci para que minha mãe não reparasse antes que pudesse tomar um banho.
Quando entrei em casa, novamente nada fez sentido. Tudo em estava silencioso e só uma luz da sala estava acesa. No sofá, Ana estava sentada sozinha e, ao me ver entrar, me olhou tristemente.
Que porra era tudo aquilo? 
Antes que eu pudesse dizer algo, Ana explicou:
-Sua mãe saiu e acho que eu te devo explicações.
Andei devagar até ela e comecei a reparar que as coisas realmente estavam erradas.
As minhas lembranças de Ana com roupas caras, maquiagem bem feita e um sorriso enorme não pareciam fazer sentido com aquela Ana à minha frente.
Primeiro porque mesmo o tempo estando tão quente ela vestia uma bluse de lã. E não era uma blusa chique ou algo do tipo. Era simples, básica.
Sua pele parecia cinza e seus olhos estavam caídos, como se ela estivesse morrendo de sono. A pele brilhava com o suor.
Seu cabelo ruivo estava preso de qualquer jeito num rabo de cavalo baixo e frouxo. Algumas mexas grudavam em sua testa.
Resumindo: ela não estava num dos melhores estados.
Meu primeiro impulso foi correr até ela e ampará-la. Algo estava acabando com a garota.
Mas então eu me segurei e fingi que não tinha reparado em nada. Cruzei os braços e encarei ela sério. Preferi ficar em pé para manter a distância.
-O que você quer? -perguntei.
De repente ela franziu o nariz e me encarou meio assustada.
-Você anda bebendo?
Sim, acabei de encher a cara. 
-Ana, fala logo o que é que você quer.
Então ela levantou e outra vez me surpreendeu. Antes que eu pudesse perceber ela estava com os braços em torno de mim e seu rosto em meu peito. 
-O que...? - eu não entendia nada. Ela tinha enlouquecido de vez?
-Eu eu eu não queria ter te magoado, nunca quis! Aquilo foi completamente impulsivo. Eu tinha bebido muito e as garotas insistiram tanto pra eu ficar com ele!
Tentei encaixar as palavras na minha cabeça, mas elas não estavam de acordo. 
-Então porque ficou em silêncio durante duas semanas, como se estivesse namorando com o garoto? - foi a unica coisa que eu tive pra dizer.
Ela me olhou e toda a minha raiva começou a derreter. Como eu amava aquele olhinhos infantis e cheios d'água.
-Eu não fiquei nem um minuto com ele. Nessas duas semanas a única coisa que ele fez foi cuidar de mim.
Ah, eu sabia. Ela só podia estar chapada.
-Cuidar de você? Quer dizer que todos esses meses eu não cuidei...
-Guilherme, eu estava doente. Lá na festa eu mal me lembro do que aconteceu, e no outro dia a única coisa que eu queria fazer era te explicar, mas sua amiga Priscila foi mais rápida. Me ligou logo cedo xingando, dizendo como você tinha reagido. Até então eu não tinha percebido que estava ardendo em febre. Sabe, eu fiquei realmente triste em saber que tinha te magoado e resolvi esperar minha melhora total para vir te ver. O problema é que eu só fui piorando. O João ia na minha casa todos os dias cuidar de mim e eu não podia reclamar. Meus pais estavam trabalhando o dia todo e não podiam me olhar. Os cuidados do João não adiantaram muito. Eu não melhorei e tive de ir ao médico. Agora estou medicada mas a única coisa que vai fazer eu melhorar é você. Por favor, me perdoe.
Podem me chamar de corno manso, de idiota, de mula, anta, animal, burro, do que quiser. 
Mas depois de tudo que ela falou, com a proximidade em que nossos corpos estavam e o jeito que ela me olhava eu não consegui.
O instinto veio antes do sentimento e bem antes da razão. 
Quando senti seus lábios nos meus, tudo ficou meio mudo, como se algo chiasse nos meus ouvidos. Tudo estava no seu devido lugar: ela nos meus braços e meus lábios colados nos dela.
Ambas minhas mãos tocaram seu rosto, eu queria sentir sua pele de novo. Estava quente, muito quente e úmida. Suas mãos pequenas tocaram as minhas e eu me senti cada vez mais leve, como se todo aquele meu drama não tivesse feito sentido algum.
Então ela se afastou, deixando o calor de sua pele ainda tocando meu rosto carinhosamente. Abri os olhos e quase me surpreendi de novo ao vê-la tão abatida.
-Não faz sentido, nada disso.
-Eu te amo - ela disse sorrindo.
E então eu encarei o escuro. Demorei alguns minutos para entender tudo.
Havia um corpo aparentemente nu e bem quente em cima do meu. Eu podia sentir a respiração da pessoa tocando meu peito.
Devia ser a Julia, as recordações começavam a se encaixar.
Ainda no átrio nós nos beijamos durante um longo tempo, bebi mais, fumei mais e minha mãe ligou. Eu disse a ela que dormiria na casa do Juninho e foi exatamente o que eu fiz, levando Julia comigo.
Eu podia me lembrar de quando entrei na casa dele beijando loucamente a Julia. Depois uma lembrança rápida e embaçada de estar rolando numa cama de casal com a Julia nua , beijando meu corpo inteiro.
Resumindo tudo, parecia que eu tinha ido pra casa do Juninho transar com a garota. Os pais deles deviam ter ido viajar ou algo do tipo...
Fechei os olhos e fiz alguns xingamentos baixos, depois pedi para alguma força sobrenatural que transformasse aquela garota deitada comigo na Ana.






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