terça-feira, 30 de outubro de 2012

Batata Frita e Sorvete XIV

Capítulo Catorze - "As Mina Pira"

Acendi um cigarro. Dois. Três. Cinco cigarros. Não gostava do cheiro nem do sabor, mas não conseguia parar. Minhas mãos tremiam e o suor brotava de todas as partes do meu corpo. Tirei a jaqueta e joguei-a no ombro, sequei o suor da testa com as costas da mão. Meu celular vibrou no bolso. Era Ana, claro.
-Oi Ruiva.
-Onde você tá, João Guilherme? - perguntou ela com aquela voz estridente de sempre.
-Resolvendo uns problemas. Tá tudo bem?
-Sim, mas onde você está?
-Ana, já te ligo ok?
E desliguei. Simples assim. Depois eu iria ouvir um monte e ela provavelmente choraria. Mas eu precisava de um tempo.
Depois que fui até a casa da Júlia, me senti estranho. Sabe quando você tem certeza de alguma coisa? Como a certeza de que você é apaixonado por uma pessoa e quer casar com ela? Pois é, eu não tenho mais essa certeza. Não que eu não amasse mais a Ana! Minha cabeça só estava confusa. Eu não deveria estar querendo beijar a Júlia se eu fosse tão devotado a Ana, certo?
Joguei o cigarro no chão e pisei em cima ao lembrar das lágrimas brotando dos olhos da Júlia quando eu disse que tinha voltado com a minha ex.
"Eu gosto de você. Gosto muito, muito mesmo de você" foi o que ela disse. E o foda é que eu também gosto dela. Nada de paixão ou amor, mas gosto de estar com ela. Não só por sexo, eu juro. Ela é uma pessoa maneira, engraçada e muito gente boa.
"Desculpe, Ju. Sério. Eu também gosto muito de você, mas a Ana..." - tentei confortá-la, desesperado. Não gosto de lágrimas, não mesmo.
"Já entendi, Guilherme. Você ama a Ana. Só achei que nós tínhamos algo legal. Sou uma idiota, claro"
"Não, para! Nós temos sim, algo legal. Eu gosto de verdade de você, mas a Ana..."
Então ela me olhou, com os olhos vermelhos e várias lágrimas correndo pelas bochechas.
"Mas a Ana o que?" perguntou, séria.
E eu não consegui responder. Mais a Ana o que? Nem eu sei! Seria mais fácil se eu fosse decidido e dissesse "A Ana é a mulher da minha vida" ou "A Ana é tudo pra mim". Mas não, eu só pedi desculpas de novo e saí da casa dela. Muito homem da minha parte.
Então eu aproveitei meu excesso de covardia e me escondi em um parque qualquer para fumar.
Depois de duas horas e meia sentado na grama resolvi ir embora. Eu estava podre, suado, cansado e chateado. Levantei-me e tirei a grama da minha calça quando alguém pulou (literalmente) nas minhas costas. Eu teria caído de novo no chão se a menina não tivesse me segurado. Sua risada e sua voz eram tão singulares que, mesmo sem olhá-la, eu já sabia quem era.
-Uau, você realmente não muda nada - disse ela rindo.
Alta, morena, cabelos extremamente lisos e pretos, shorts curtíssimos e as pernas... Ah, que pernas perfeitas! Senti uma felicidade repentina surgindo dentro de mim, fazendo-me sorrir de orelha a orelha.
-E você engordou - brinquei, sabendo que levaria um tapa. Claro que levei - Ai.
Paula Peroni, 19 anos, minha ex namorada. Minha primeira namorada, pra ser sincero.
-Quer morrer? - perguntou ela fingindo ficar brava.
Rimos juntos e nos abraçamos. Cara, como sentia falta daquela menina! Nós sempre fomos amigos, mesmo depois que terminamos o namoro. Era bom vê-la de novo.
Paula apertou os braços em torno da minha cintura. Sei que sentia minha falta tanto quanto eu a dela.
-Continua o mesmo E.T. de sempre - disse ela puxando alguns fios do meu cabelo.
-E você continua cabeçuda - retruquei.
-Cala a boca - ela me soltou, olhou-me de cima a baixo e fez uma careta. -  Cara, o que te levou a sentar num parque sozinho com jaqueta de couro e calça num dia de 36ºC? E por que você está fedendo a cigarro? Virou mendigo?  Sabia que você não tinha potencial nem pra gari!
Gargalhei alto. Eu podia estar na pior situação que ela faria uma piada idiota.
-Só precisava de um tempo para pensar - respondi. - Mas e você, o que faz aqui?
-Vim fotografar algumas coisas. Estou fazendo um bico pra uma revista de plantas. É mole?
-Que bosta, boa sorte.
Eu não via a Paula há uns dois meses, desde que eu tive meus problemas e ela estudava demais. Com todas aquelas tretas eu nem percebera o quanto eu sentia falta dela. Mas aquilo ali... Era fácil e agradável. Era bom de verdade. Sem precisar de drogas ou de depressão.
-E sua namorada ruivinha-chatinha-safadinha? - perguntou ela fazendo outra careta enquanto ajustava alguma coisa em sua câmera fotográfica.
-Voltei com ela - disse rapidamente, já esperando um sermão do caralho.
Mas Paula só revirou os olhos.
-Típico de você.
-Não entendi...
Ela me olhou com a expressão mais entediada possível.
-Cara, você é um bunda mole romântico - e riu para quebrar o clima. Viu? Ela falava coisas totalmente verdadeiras mas de uma forma cômica. Não doía tanto saber a verdade daquele jeito. Pelo menos não vindo dela.
-Sou, é? - perguntei erguendo uma sobrancelha. Antes que ela respondesse, tirei a câmera de sua mão e saí correndo. Ela berrou.
-JOÃO GUILHERME, CUIDADO COM ISSO!
-UUUUH João Guilherme, cuidado com isso! - imitei-a afinando a voz - Vai, não sou um bunda mole romântico? Pois é, vou ter um romance com essa sua câmera agora. - E fingi lamber a câmera.
Ela correu até onde eu estava e tirou a máquina da minha mão. Eu ainda estava rindo com a cara de desespero que ela havia feito.
-Você é mesmo um bunda mole romântico. Nem pra me ligar quando a vaca tinha te chifrado! Eu poderia te agarrar na frente dela - disse ela em tom de desafio.
-Não sou desses caras que esfregam cenas na frente de ninguém - respondi, me recuperando do acesso de risadas e dando de ombros - Mas eu poderia te agarrar atrás dela, ao lado dela ou há 500 quilômetros dela - acrescentei, secando o suor da minha testa com a mão e passando na blusa dela.
Seu rosto se contorceu de nojo e ela me bateu por reflexo, claro. Era sempre assim e daquela vez eu sabia merecia. Eu ri de novo e ela acabou rindo comigo.
-Você vai lavar minha blusa, seu escroto - reclamou.
-Vou sim, claro. Tira ela aí - brinquei.
O foda é que a Paula não tem limite, nem noção, nem nada naquela cabeça. Por isso ela realmente tirou a blusa.
-Tá doid...?! - ah, ela estava de biquini. Doida, mas não insana. Dessa vez foi ela quem gargalhou.
-Otário - disse, colocando a blusa de volta. Pirada.
-Cara, vai tirar suas fotos antes que eu te agarre pra você ficar tão cheirosa quanto eu - disse, ainda meio nervoso com a falta de noção da minha ex.
Paula sorriu.
-Está insinuando que quer que eu tire minha roupa toda?
Torci o nariz de brincadeira.
-Não mesmo, você está obesa.
E passei o resto da tarde assim. Rindo, brincando e tirando sarro da cara dela. Assustei-me ao ver o sol se pondo. Como o dia passou tão rápido?
-Nossa cara, tenho que ir embora - disse olhando o relógio. Eram quase seis horas e eu não dei nenhuma satisfação pra Ana. Eu teria problemas ao chegar em casa.
Paula estava tirando algumas fotos agachada ao meu lado quando bufou e disse:
-Agora você tem toque de recolher? Tipo Harry Potter em Hogwarts?
-Tipo isso. A Ana já deve estar colocando meu nome na boca do sapo - eu havia dito isso de brincadeira mas realmente me preocupava voltar pra casa.
Sem falar que eu não queria voltar pra casa.
-Isso, vai lá ganhar mais um chifre - cuspiu ela de uma vez só. Ai. Aquela ali foi dolorida, sem humor algum.
-Valeu, Paulinha - agradeci com um sorriso amarelo.
-Só estou dizendo. Você poderia dar o troco, sabia? - sugeriu, tirando os olhos do foco da câmera para me fitar - Eu estou solteira e já troquei bactérias com você várias vezes. Não me importaria em ajudar os mais carentes.
O.k. , vamos ver se eu entendi: ela estava sugerido que eu a agarrasse de verdade? Tipo beijar, encostar ela numa árvore e esmagar meu corpo no dela? Olha, tudo bem que eu tinha dado em cima dela a tarde inteira mas eu não pensei realmente em trair a Ana. Aquilo era errado, não era? Eu ia dizer isso pra Paula. Ia dizer que não dava, que eu amava minha namorada e que eu precisava ir embora.
Mas eu não disse.
-Sério mesmo? Agora você gosta de caras comprometidos? - eu disse, desobedecendo as ordens da minha sã consciência. Não Guilherme, seu viado! Você tem que dar um fora nela!
-Ficaria com você, mesmo que precisasse ser benzida depois.
...
Então, amigos... Eu queria dizer que eu neguei a oferta, que coloquei minha jaqueta e que fui ver minha namorada, mas eu não fiz isso. E sabe qual é o pior? Não me arrependo. Beijar a Paula me fez lembrar uma época mais simples, tranquila e, de certo ponto, mais feliz.
Cara, é tudo culpa dessas meninas que, recentemente, começaram a brotar do chão. Não sei como, mas de repente, três mulheres apareceram na minha vida. Todas lindas. Todas divertidas. Todas gostosas.
E eu gostava de todas elas. E elas de mim.
E se você pensa que é fácil e legal pra mim só porque são três mulheres na minha cola, você está muito enganado.
Ou não...